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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Sobre o que aprendemos com o fim

Estamos no último dia do ano e as mensagens positivas se multiplicam por todos os cantos. Gosto desse clima: da oportunidade de dizer que desejo que o próximo ano seja muito melhor do que o que se encerra para todos e da sensação de dever cumprido. Por outro lado, a razão sempre fala mais alto e não posso esconder meu ceticismo em relação a essa expectativa pouco justificável. Afinal, é mais um dia que se encerra e um novo que começa. Isso acontece diariamente e não chega a ser excepcional, mas deveria!

Quando cursava o ensino fundamental, uma professora de português sugeriu a leitura de um texto que eu nunca esqueci. Não vou saber dizer o nome do autor, nem mesmo sei qual era o título, mas a essência que ele passava ficou gravada. A história toda era, na verdade, a divagação de uma garota que se questionava se devíamos olhar as coisas como se fosse a primeira vez, com um ar de encantamento, ou como se fosse a última vez, pois aproveitaríamos mais aquele momento. O texto não era conclusivo, mas a reflexão é pertinente. Eu sempre preferi a primeira opção, pois acreditava que fascinante mesmo era a descoberta. Já o fim, soava-me melancólico.

Descobri que essa lógica pode não fazer tanto sentido. Aprendemos muito com o fim ou, como dizia o texto, com o olhar da última vez. Há dois anos, durante um documentário produzido para a faculdade, deparei-me com pessoas que enfrentavam conscientemente uma situação bastante complexa: elas estavam com câncer em um estágio que não permitia mais cura ou tratamento e viviam seus últimos dias de vida, que podiam se estender para semanas ou, no máximo, meses. Foi um trabalho que mexeu muito comigo e que automaticamente me trouxe a lembrança daquele intrigante texto.

Das três histórias que podem ser conferidas no vídeo abaixo, uma me chamou mais atenção. A da Eliana, uma mulher com 38 anos e que, apesar de sua condição, transformava cada novo dia em uma nova conquista. O caso dela era surpreendente até para os médicos que a tratavam. Geralmente, uma pessoa que está em cuidados paliativos (área médica que trata de pessoas sem perspectiva de cura) vive condicionada a piora gradativa de sua condição. Com a Eliana não foi assim. Depois de enfrentar tratamentos e cirurgias contra a doença, ela havia perdido todos os movimentos do corpo, mexia apenas a cabeça. Na época em que buscávamos personagens para o documentário, soubemos da sua história. Nos contaram que ela fazia tratamentos para melhorar a qualidade de vida e que, apesar do prognóstico dos médicos - que afirmavam que ela não recuperaria os movimentos -, ela tinha a expectativa de poder abraçar os filhos novamente. E, contrariando as possibilidade, ela conseguiu.

No dia em que fomos fazer a gravação a encontramos pintando panos de prato. Naquela etapa da vida, ela descobriu um novo prazer, o artesanato. Com o semblante tranquilo, ela dizia que vivia plenamente. Tive a oportunidade de manter contato com ela por algum tempo pela internet (foi pelo blog dela que descobri que ela havia conseguido voltar a andar). Nesses poucos contatos que tivemos depois da gravação, ela sempre agradecia a chance de ter deixado a sua história registrada como um exemplo para que as pessoas vivessem melhor. Algumas vezes, ela disse que esse trabalho poderia mudar a vida de muita gente. Concordo com o poder das palavras dela, embora eu saiba que, por mais que as pessoas se encantem ou se sensibilizem, têm muita dificuldade de ver cada novo dia como um presente, uma dádiva - essencialmente, era isso que a Eliana buscou nos passar. É impossível mensurar o impacto que essa história pode ter para as pessoas, como ela desejava, mas ela continua transformando a minha vida até hoje, mais de dois anos depois.

Tento não esquecer que a cada manhã, quando acordo, tenho uma nova oportunidade para fazer tudo de uma maneira melhor, de ser uma pessoa melhor. Quando discuto com alguém de quem gosto muito é que as mensagens da Eliana vêm mais fortes ainda e sinto que, nesse tempo, tenho sido mais maleável e tolerante. Talvez, o segredo de viver bem seja este: olhar a vida de trás para frente, sem perder o encantamento e sem melancolia, mas encarando cada momento como se fosse o último, o único, e mais fascinante do que qualquer outro. O que eu desejo para 2013 é que sejamos capazes de viver plenamente todos os dias.



3 comentários:

  1. Muito bom! Nos leva a refletir ainda mais sobre nossas atitudes diariamente!

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  2. o que aconteceu com a paciente eliana? que blog é esse?

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    1. Este é um blog sobre saúde e qualidade de vida, que aborda temas como alimentação saudável, atividades físicas, prevenção, controle do estresse, terapias alternativas e convivência social, entre outros. Em resumo, trata de tudo que possa auxiliar as pessoas a viverem melhor.

      A Eliana, depois de anos lutando contra o câncer, faleceu em abril de 2011.

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